terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Veganismo: O Princípio Fundamental do Movimento Abolicionista

© Gary L. Francione
Texto do Blog de Gary L. Francione – 27/12/2006
Tradução: Regina Rheda

Muitos defensores do bem-estar animal alegam que a posição dos direitos, que busca a abolição do uso dos animais, não é prática porque rejeita a mudança incremental e não oferece qualquer orientação quanto ao que deveríamos fazer agora — hoje — para ajudar os não-humanos. Esses críticos da posição abolicionista argumentam que não temos outra escolha a não ser buscar mais regulamentações bem-estaristas — mais tentativas de tornar a exploração animal mais “humanitária” — se quisermos fazer alguma coisa “prática” para ajudar os animais.

A noção de que as regulamentações bem-estaristas oferecem uma proteção significativa aos interesses dos animais não podia ser mais errada. Conforme discuti nos meus escritos, como os animais são propriedade, eles são apenas mercadorias com valor extrínseco ou condicional. Seus interesses não têm valor inerente. O resultado disso é que os padrões que exigem que lhes seja dado um tratamento “humanitário” são interpretados no sentido econômico e limitam a proteção àquilo que proporciona benefício econômico aos humanos. Supostas melhoras no bem-estar animal fazem muito pouco, se é que fazem alguma coisa, para aumentar a proteção aos interesses animais; na maioria das vezes, não fazem nada mais do que tornar a exploração animal mais eficiente em termos econômicos e mais aceitável em termos sociais. Além do mais, não há qualquer evidência histórica de que a regulamentação do bem-estar animal conduza à abolição.

Os bem-estaristas também estão errados ao alegar que a posição dos direitos não nos indica quaisquer passos incrementais práticos rumo à abolição. Há, sim, uma orientação muito clara para uma mudança incremental: o veganismo.

O veganismo não é uma mera questão de dieta; é um compromisso moral e político com a abolição, no nível individual, e não se estende só a comida, mas também a roupa, outros produtos, e outras ações e escolhas pessoais. Ser veganos é aquilo que todos nós podemos fazer hoje — agora mesmo — para ajudar os animais. Não requer uma campanha cara, o envolvimento de uma grande organização, legislação, ou qualquer outra coisa além do nosso reconhecimento de que, se “direitos animais” tiver algum significado, é o de que não podemos justificar o consumo de carnes (incluindo pescado), laticínios, ovos e outros produtos de origem animal.

O veganismo reduz o sofrimento e a morte dos animais ao diminuir a demanda. Representa uma rejeição à condição de mercadoria dos não-humanos e o reconhecimento de seu valor inerente. O veganismo também é um compromisso com a não-violência; e o movimento pelos direitos animais deve ser um movimento de paz, deve rejeitar a violência contra todos os animais — não-humanos e humanos.

Muitos defensores dos animais se dizem a favor dos direitos animais, mas continuam a comer produtos de origem animal. Na verdade, muitos “líderes” do movimento pelos animais não são veganos. Isso não é diferente de alguém se dizer a favor da abolição da escravidão, mas continuar a possuir escravos.

Não há nenhuma diferença significativa entre comer carnes e comer laticínios ou outros produtos animais. Os animais explorados na indústria de laticínios vivem mais tempo do que os que são usados por sua carne, mas são mais maltratados durante suas vidas e acabam indo parar no mesmo matadouro, depois do quê consumimos sua carne do mesmo jeito. Há provavelmente mais sofrimento num copo de leite, ou num sorvete, do que num bife. E qualquer um que pensar que um ovo — mesmo o que vem das chamadas “galinhas soltas” — não é produto de um sofrimento tão horrível quanto a carne não conhece muito bem a indústria de ovos.

Se uma pessoa pára de comer carne, mas, como resultado disso, passa a comer mais laticínios ou ovos (como fazem muitos “vegetarianos”), ela pode estar na verdade aumentando o sofrimento. De qualquer forma, afirmar que há uma diferença moral entre comer carne e comer laticínios, ovos, ou consumir outros produtos de origem animal, é tão tolo quanto afirmar que há uma diferença moral entre comer vacas grandes e comer vacas pequenas.

Em vez de abraçar o veganismo como uma base moral clara, o movimento pela defesa animal adotou a noção de que nós podemos agir eticamente e continuar a consumir produtos animais. Considere os seguintes exemplos disso (e há muitos):


Peter Singer afirma que podemos ser “onívoros conscienciosos” e explorar eticamente os animais se, por exemplo, escolhermos comer animais que foram “criados soltos” e abatidos de uma maneira relativamente “humanitária”. (A Ética da Alimentação - Como Nossos Hábitos Alimentares Influenciam o Meio Ambiente e o Nosso Bem-Estar). Singer elogia fornecedores de animais explorados “humanitariamente”, como o Whole Foods Markets, Inc. e seu executivo-chefe, John Mackey, dizendo que eles são “eticamente responsáveis”, e descreve o veganismo como “fanático”.
Tom Regan destacou Mackey para fazer o discurso principal de uma conferência em 2005, chamada The Power of One,voltada à habilidade que cada indivíduo tem de fazer mudanças significativas para os não-humanos. Regan elogia Mackey e a Whole Foods por serem “uma força propulsora de padrões mais altos no bem-estar animal”.
A PETA deu ao Whole Foods um prêmio em 2004, dizendo que essa empresa “tem feito, consistentemente, mais pelo bem-estar animal do que qualquer varejista na indústria, ao exigir que seus produtores sigam padrões rigorosos”. A PETA também deu um prêmio em 2004 à planejadora de matadouros Temple Grandin, declarando — o que é digno de nota, na minha opinião — que ela é uma “visionária”.
A Humane Farm Animal Care, com seus sócios the Humane Society of the United States, the American Society for the Prevention of Cruelty to Animals, Animal People, World Society for the Protection of Animals e outros, promovem o selo Certified Humane Raised & Handled Label [Certificado de Criação e Manuseio Humanitários], que ela descreve como “um programa de certificação e selo para o consumidor” para assegurar aos consumidores que um “ovo, um laticínio, uma carne bovina, uma ave” que tiverem seu selo “foram produzidos tendo-se em mente o bem-estar do animal da fazenda”.


Claro que, em termos gerais, é sempre melhor causar menos dano do que mais dano, uma vez que tenhamos decidido infligir dano. Se formos comer um animal que foi torturado, suponho que seja “melhor” comer aquele que foi torturado menos. Mas, sem levar em conta a questão de os não-humanos criados de forma “humanitária” serem, ou não, realmente menos torturados do que os outros, há uma grande diferença entre o ponto de vista de que menos sofrimento é melhor do que mais sofrimento, e o ponto de vista de que causar menos sofrimento torna uma ação moralmente aceitável. A noção de que o movimento pelos animais promove ativa e explicitamente a segunda posição — a de que fazer menos mal é uma solução moralmente aceitável ao problema da exploração animal — é profundamente perturbadora.

Se X for estuprar Y, é “melhor” que ele não bata nela também. Seria, entretanto, moralmente repulsivo afirmar que podemos ser “estupradores conscienciosos” ao tomarmos o cuidado de não bater nas vítimas de estupro. De forma análoga, é preocupante o fato de que defensores dos animais estejam promovendo a noção de que podemos ser “onívoros moralmente conscienciosos” se comermos os produtos animais produzidos de forma supostamente “humanitária” e vendidos por fornecedores de sofrimento e morte “eticamente responsáveis”. Tal posição não só é conflitante com a noção de que os não-humanos têm significância moral, mas também encoraja vigorosamente as pessoas a verem a continuação do consumo de produtos animais como uma alternativa moralmente aceitável à adoção de um estilo de vida vegano.

Além do mais, muitas das organizações de defesa animal pintam o veganismo como um estilo de vida difícil, que exige uma considerável dose de sacrifício pessoal e só é possível para os defensores mais “caxias”. Eu me tornei vegano há 24 anos. Ser vegano não era particularmente difícil, naquela época -- mas é absolutamente absurdo dizer que é difícil hoje. É fácil ser vegano. Claro, suas escolhas no restaurante ficam mais limitadas, em especial se você não mora numa cidade grande ou perto de uma. Mas se essa inconveniência é importante para você, e se ela impede que você se torne vegano, então provavelmente você não está levando a questão do veganismo a sério mesmo.

O movimento pelos animais nunca terá sequer a esperança de mudar o paradigma de hierarquia especista, enquanto não tiver absolutamente claro, como princípio fundamental, que é moralmente errado consumir todos os tipos de carne, laticínios, ovos e quaisquer outros produtos feitos de animais.

Se, no final da década de 1980 — quando a comunidade pela defesa animal nos Estados Unidos decidiu, deliberadamente, seguir uma agenda bem-estarista — uma porção substancial dos recursos do movimento tivesse sido investida na educação vegana e abolicionista, provavelmente haveria, hoje, centenas de milhares de veganos a mais do que há. Esta estimativa é bem conservadora, dadas as centenas de milhões de dólares que têm sido gastos pelos grupos de defesa animal em promover legislação e iniciativas bem-estaristas. Eu afirmo que conseguir um aumento do número de veganos reduziria mais sofrimento, através da diminuição da demanda por produtos animais, do que todos os “sucessos” bem-estaristas juntos multiplicados por dez. Aumentar o número de veganos também ajudaria a construir uma base política e econômica para a mudança social que é a fundação necessária a uma mudança legal significativa.

Dada a limitação de tempo e recursos financeiros, não está claro como é que alguém que busque a abolição a longo prazo, ou que pelo menos aceite que a condição de propriedade dos animais é um gravíssimo impedimento a qualquer mudança significativa e deve pelo menos ser radicalmente modificada, possa acreditar que a expansão do bem-estar animal tradicional seja uma escolha racional e eficiente — sem levar em conta quaisquer considerações sobre inconsistências em teoria moral.

Suponha que, amanhã, você tenha duas horas para gastar com a defesa animal. Você não pode fazer tudo; você tem de escolher. Não tenho a menor dúvida de que duas horas de seu tempo gastos na distribuição de material impresso educativo sobre veganismo é, sob vários aspectos, um uso muito melhor do seu tempo do que duas horas fazendo campanha por gaiolas de bateria mais espaçosas ou formas de escravidão animal mais “humanitárias”.

Em suma, assim como alguém que diz que a escravidão humana é uma coisa errada mas continua a possuir escravos não é um abolicionista de verdade no que diz respeito à escravidão humana, alguém que diga que a escravidão animal é uma coisa errada mas não adote o veganismo como estilo de vida não é um abolicionista de verdade, no que diz respeito à escravidão animal. Vamos nós, que aceitamos a abordagem abolicionista, ser claros e inequívocos, e vamos promover o veganismo com nossas próprias palavras e nossas ações.

Gary L. Francione

Direitos Animais

Conforme a Teoria Abolicionista de Gary L. Francione

1. Todos os seres capazes de sentir (seres sencientes), humanos ou não-humanos, têm um direito: o direito básico de não serem tratados como propriedade dos outros.

2. Nosso reconhecimento desse direito básico significa que devemos abolir, em vez de simplesmente regulamentar, a exploração institucionalizada dos animais – porque ela pressupõe que os animais sejam propriedade dos humanos.

3. Assim como rejeitamos o racismo, o sexismo, a homofobia e o preconceito contra as pessoas de idade, rejeitamos o especismo. A espécie de um ser senciente não é razão para que se negue a proteção a esse direito básico, assim como raça, sexo, orientação sexual ou idade não são razões para que a inclusão na comunidade moral humana seja negada a outros seres humanos.

4. Reconhecemos que não vamos abolir de um dia para o outro a condição de propriedade dos não-humanos, mas vamos apoiar apenas as campanhas e posições que promovam explicitamente a agenda abolicionista. Não vamos apoiar posições que reivindiquem regulamentações supostamente "melhores" da exploração animal. Rejeitamos qualquer campanha que promova sexismo, racismo, homofobia ou outras formas de discriminação contra humanos.

5. Reconhecemos que o passo mais importante que qualquer um de nós pode dar rumo à abolição é adotar o estilo de vida vegano e educar os outros sobre o veganismo. Veganismo é o princípio da abolição aplicado à vida pessoal. O consumo de carnes (vaca, ave, pescado, etc.), de laticínio, ovo e mel, assim como o uso de animais para roupas, entretenimento, pesquisa ou qualquer outro fim, são incompatíveis com a perspectiva abolicionista.

6. Reconhecemos a não-violência como o princípio norteador do movimento pelos direitos animais.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

O Consumo de Carnes é um ato Ecológico?

Carta aos Ecologistas
Por Dr.Marcio Bontempo

Prezados amigos ecologista,Coerência é uma coisa exigida para autenticar o que fazemos fazer com que nos respeitem e com que respeitemos a nós mesmos. Um verdadeiro ecologista não apenas milita pela natureza, mas procura viver e ser um exemplo de ação em todos os sentidos. Além de crítico, defensor e patrulheiro, é preciso ser também um autocrítico e conhecer todas as possibilidades de proteger a natureza. Temos visto ecologistas que lutam pela defesa do meio ambiente, mas não dão bom exemplo em termos de comportamento e hábitos. E não é por atirarem lixo pela janela, comprarem detergente não biodegradável, usarem demais o automóvel e menos a bicicleta, fumarem, ou outros maus exemplos de atitudes antiecológicas. Estamos falando de hábitos que produzem efeitos piores e que são comuns a muitos companheiros. Estamos falando da dieta antiecológica. Sabia disso? Sabia que é possível ajudar a natureza, simplesmente selecionando melhor os alimentos e escolhendo-os com consciência? Por exemplo: não comendo carne! Quer saber como? Aqui vão alguns dados importantes...(por favor, resista aos impulsos obscuros que tendem a evitar o contato com verdades e fatos que podem perturbar a rotina dos hábitos e vícios alimentares enraizados e atávicos, mais baseados nos desejos gulosos, e leia!)

A produção de gado, sem contarmos com o caso dos frangos e porcos, é uma ameaça primária ao meio-ambiente global. É um dos principais contribuintes para o desmatamento, a erosão do solo e conseqüente desertificação, a escassez de água, a poluição dos rios, lençóis freáticos, mares e mananciais de águas, o esgotamento dos combustíveis fósseis, efeito estufa, extinção de animais e perda da biodiversidade.

Quase a metade da massa de terra do globo é usada como pasto para gado e outras criações. Cerca de 80% de todo o desmatamento e desaparecimento de florestas, no planeta inteiro, deve-se ‘a pecuária. Em pastos muito férteis, 2,5 acres podem sustentar uma vaca por ano, em pastos de qualidade marginal, é preciso 50 ou mais acres.Se não reduzirmos em pelo menos 20% o consumo de carne bovina no Brasil, até 2020 não teremos mais mata atlântica.

Fazendas de gado são uma causa primária do desmatamento na América Latina. Desde 1960, mais que 1/4 de todas florestas da América Central foram arrasadas para criar pastos para o gado. Quase 70% da terra desmatada no Panamá e Costa Rica agora é pasto.Apenas um só hambúrguer médio requer o desmatamento de aproximadamente 6 metros de floresta tropical e a destruição de 165 libras de matéria viva incluindo 20 a 30 diferentes espécies vegetais, 100 espécies de insetos, e dúzias de espécies de aves, mamíferos, e répteis.

Erosão do Solo e Desertificação:O gado degrada a terra ao tirar a vegetação e compactar a terra. Cada animal que pasta num campo aberto come 900 libras de vegetação a cada mês. Seus poderosos cascos pisoteiam a vegetação e comprimem o solo com um impacto de 24 libras por polegada quadrada.

Escassez de água: Produzir uma libra de proteína de carne muitas vezes requer até 16 vezes mais água que produzir uma quantidade equivalente de proteína vegetal. Só para produzir uma porção de proteína de ave, são necessárias 100 vezes mais água do que seria exigido para a mesma porção de proteína vegetal, da soja.

Esgotamento dos combustíveis fósseis: Atualmente é necessário um galão de gasolina para produzir uma libra de carne alimentada com grãos nos E.U.A.. O consumo anual de carne de uma família americana comum com quatro pessoas, requer mais de 260 galões de combustível e libera 2.5 toneladas de CO2 para a atmosfera, o tanto que um carro comum libera num período de 6 meses.

Efeito estufa: O gado emite metano, outro gás do efeito estufa, via arrotos e flatulência. Cientistas estimam que mais de 500 milhões de toneladas de metano são liberadas a cada ano e que os 1.3 bilhões de gado e outras criações ruminantes do mundo, emitem aproximadamente 60 milhões de toneladas ou 12% do total de todas fontes. Metano é um sério problema porque uma molécula de metano retém 25 vezes mais calor solar que uma molécula de CO2.O consumo de carne e a fome no mundoUma alimentação vegetariana, além de favorecer a saúde, de contribuir para a preservação ambiental, é uma opção que tem por base a consciência quanto a aspectos sócio-econômicos. Optar por uma dieta vegetariana, contribui, de alguma forma, para reduzir a situação intolerável da fome no mundo.

Vejamos como: Segundo a FAO (Organização para a Alimentação e agricultura) a produção de carne causa fome e pobreza humana, ao desviar grãos e terras férteis para sustentar gado em vez de pessoas. Nos países em desenvolvimento, a produção de carne perpetua e intensifica a pobreza e injustiça, particularmente se a ração do gado ou aves é produzida para exportação. Se conservássemos a produção de cereais e a distribuíssemos aos pobres e subnutridos, em vez de dá-la ao gado, poderíamos facilmente alimentar quase toda a população subnutrida do mundo.

Muitos ambientalistas não têm a informação de que o consumo de carne é danoso para o meio ambiente. Mas o que preocupa é que muitos, ao receberem essa informação, continuam a comer carne.

Com base nessas informações, uma das coisas mais incoerentes e absurdas é um ato ecológico, evento ou encontro ambiental, “coroado” com um “bom churrasco”. O “churrasco ecológico....”.

Tenho visto companheiros que tomam conhecimento destas coisas e continuam a comer carne. Essa atitude é a expressão de uma fraqueza. Mas tenho visto companheiros valorosos que percebem ser o simples ato de não comer carne vermelha, um grande passo que acaba por gratificar-nos interiormente de um modo inexplicável, pois a nossa auto estima, nosso auto-respeito nos fortalecem nessa decisão. Sabe aquela sensação de vitória, de poder interno? E o contrário disso, quando você acaba comendo carne e depois a consciência pesa... E fica pesada, por muito tempo... Quer dizer, o prazer que o churrasco ou a picanha lhe proporcionaram, não valeu, foi momentâneo, rápido e curto para poder compensar esse peso que lhe acompanha agora.

Mas vc tem uma alternativa se quiser - ao menos reduzir ou anestesiar um pouco - esse tormento: vc pode fazer como a maioria dos “ecologistas”, que é enganar a si próprio e negar os apelos da consciência (que, no entanto, vai estar sempre lha chamando de idiota...); para tentar abafar um pouco a pressão, vc pode fazer piadinhas sem graça sobre a comida vegetariana, pode “gozar” algum companheiro veggie oferecendo um sanduíche de grama... Num grupo, pode exibir aquele sorriso besta afirmando - sempre sem graça por dentro - que “nada como uma boa carninha...”. Mas no fundo, sabe que o preço que vc paga por essa atitude trivial é a perda do próprio respeito.

Sabe, uma vez que vc recebe uma informação importante e verdadeira, vc adquire responsabilidade quanto ao que fará quanto a isso a seguir...

E, por favor, não esse argumento desgastado, batido e já sem graça de que vc precisa de proteínas... Hoje sabemos que a dieta vegetariana é muito mais saudável e completa, inclusive prevenindo as doenças que a carne transmite.

Inclusive, vc mesmo sabe que existem cardápios e pratos deliciosíssimos que não precisam levar carne. Tenha dó! Mas já pensou no exemplo vivo e consciente que vc vai ser se parar de comer carne?

Da próxima vez, quando vc for comer um pedaço de carne, uma picanha ou um hambúrguer, tenho a certeza de que vc vai lembrar de mim. Vai lembrar que está ajudando a destruir um pouco daquilo que vc defende, a natureza. E vai sentir que está sendo incompleto, fraco e incoerente. Vai se sentir mal com consigo mesmo e com a sua fraqueza, que é de passar por cima de um apelo mais profundo da consciência - pois vc sabe que está errado – simplesmente por ceder a um mero e fugaz desejo de prazer. Pior quando a gente usa pretextos infundados e infantis para comer um pedaço de animal. E, por favor, não me venha dizendo que isto é conversa de vegetariano, “natureba”, etc. Amigo! Amiga! É mais um pretexto, mais um truque do seu lado ainda fraco. E pior, vc sabe disso, e sabe que eu tenho razão... E olha que eu estou lhe dando um voto de confiança, considerando que vc não vai nem pensar em usar o argumento irracional “de que adianta eu não comer carne se tanta gente come..” ou, mais insano e alienado ainda: “mesmo se eu parar, não nada vai mudar”. Olha lá heim! Há muito tempo sabemos que o global é um reflexo de soma das atitudes e ações de cada pessoa. Não fosse assim não adiantaria praticar atos ecológicos, pois os outros estariam poluindo.... Cuidado. Essa é a nossa primeira lei. Atento!

Um ecologista autêntico é completo mesmo. É total. Tem dignidade para respeitar a si mesmo e a sua consciência. Tem força para superar seus desejos e fraquezas. De que outro modo você pode exigir coerência dos outros, dos destruidores da natureza, dos poluidores? Não é apelando para a consciência deles que vc atua para proteger a natureza? Não é assim? Vc pede que tenham consciência de que estão destruindo o futuro, agredindo a natureza, etc. Só assim vc pode e tem atuado. Você e os grupos ambientalistas do mundo inteiro. Não há outro modo. Pois então, eu também estou pedindo isso à vc: que tenha consciência de que comer carne é simplesmente, e nada mais do que isso, a atitude pessoal mais antiecológica possível. Pense nisso, companheiro. Pense nisso.

Um abraço ecológico,
Dr.Marcio Bontempo.

Por que protetores de animais comem animais?

"Palestra proferida no 36 Congresso Vegetariano Mundial"

Paula Brügger

A história da nossa espécie - Homo sapiens -, sobre a Terra é marcada por uma progressiva ruptura entre nós e o entorno, como nos ensina Milton Santos. Essa afirmação, verdadeira sobretudo para as sociedades industriais, nos obriga a refletir, entre muitas outras questões, sobre o fato de estarmos nos distanciando cada vez mais dos processos produtivos que fabricam diversos itens e produtos que consumimos no nosso dia-a-dia. Isso significa que pouco sabemos sobre o custo ambiental, social, etc, da maior parte desses produtos. Por exemplo, para ter acesso à eletricidade basta tocar o interruptor, e para saborear um pedaço de carne, basta escolher um bom corte no supermercado. Mas o processo de produção de diversos produtos que consumimos quotidianamente pode ser bastante predatório em muitos sentidos.

Nossa dieta alimentar, por exemplo, pode ser geradora de grandes impactos sociais e ambientais, dependendo se ela é basicamente vegetariana ou carnívora (rica em proteína animal, em geral). As dietas essencialmente carnívoras provocam hoje gigantescos impactos sociais e ambientais como destruição de habitats e perdas de biodiversidade; consumo exacerbado de recursos naturais renováveis e não renováveis (como água, solo, petróleo); poluição; destruição de pequenas propriedades rurais e exclusão social; além de estar associada com o aumento de incidência de diversas doenças como as cardiovasculares, obesidade, câncer, etc. Todas essas razões seriam suficientes para abdicarmos de uma dieta rica em proteína animal, pois tal dieta é insustentável. Entretanto, a questão central deste grupo de trabalho é o sofrimento infligido aos animais que são criados e abatidos para consumo humano. Enfim,

Por que é tão comum protetores de animais comerem carne?

A resposta, me parece, está pelo menos em parte ligada a essa ruptura entre nós e o entorno. Embora possamos prescindir de carne e outras formas de proteína animal para garantir uma boa saúde, muitos protetores de animais ainda comem carne unicamente porque, de um lado, não têm que matar o animal com suas próprias mãos, e de outro, desconhecem todos os sofrimentos por que passam tais animais antes de chegar às suas mesas. Em outras palavras, vale a velha máxima: "o que os olhos não vêem, o coração não sente".

A relação seres humanos-animais pode ser tratada sob inúmeros aspectos: tráfico de animais; alimentação rica em proteína animal; uso de animais em ensino e pesquisa; uso de animais em circos, rodeios, etc, animais de rua, e muitas outras. A questão dos animais de rua é sem dúvida um dos principais focos de atuação da maior parte das ONGS que têm como objetivo o amparo e a proteção dos animais, e é um problema muito mais visível, pois os animais abandonados estão sofrendo diante de nossos olhos. Esse problema é, entretanto, apenas a "ponta do iceberg", quando se trata da relação entre nós e os animais.

Além dos inúmeros problemas sociais e ambientais antes apontados, cada vez que nos sentamos à mesa estamos compactuando, ou não, com a exploração e sofrimento de milhares de animais. Embora esse sofrimento não esteja diante de nossos olhos, a verdade é que diversos outros seres sencientes, isto é - capazes de experimentar prazer, dor e outras sensações -, passam suas breves vidas confinados em condições deploráveis para depois serem abatidos e nos servir de alimento. Porcos, frangos, bezerros, perus e muitos outros animais são brutalmente mutilados antes de virar comida: seus rabos e bicos são cortados ou queimados para evitar o canibalismo e/ou para que não possam escolher parte de seu alimento; são castrados sem anestesia; são transportados para os matadouros sem água ou alimento suportando temperaturas extremas, etc. O sofrimento pode ser tanto que em muitos casos - como o dos bezerros criados para produzir vitela -, o abate, ou seja a morte, é quase que uma redenção, já que marca o fim de uma vida absolutamente miserável. Há ainda muitas outras formas de sofrimento impostas a animais que não são criados em cativeiro como a separação entre mães e filhotes, a separação de rebanhos, as marcas com ferro em brasa, e outros sacrifícios que não levam em consideração os interesses dos animais, como argumenta o filósofo Peter Singer.

Mas será correto submetermos seres sencientes a todo esse sofrimento para deles tomamos carne, ovos, leite ? Serão os animais nossos companheiros de jornada na Terra, ou meros recursos para nos servir e atender nossos desejos hedonistas ? A triste realidade é que em nossa sociedade os animais estabulados e de granja deixam de ser seres vivos e se tornam meros objetos, no caso, meros containers de proteína. É patético pensar, por exemplo, que a idade em que porquinhos são abatidos, é a mesma época em que, em outras condições, esses mamíferos inteligentes estariam brincando animadamente, tanto quanto nossos cães e outros animais de estimação. De fato, o mesmo tratamento considerado "normal" ou "aceitável" para muitos animais que nos servem de alimento, é considerado cruel e suficiente para dar voz de prisão, quando aplicado aos nossos animais de estimação. O Decreto Lei 24.645/34, por exemplo, que estabelece medidas de Proteção aos animais, prevê como crime uma série de situações de sofrimento que ocorrem corriqueiramente com animais submetidos a processos de produção industrial, mas isso jamais impediu que tais sofrimentos fossem impostos aos animais.

Se tratamos cães e gatos com carinho e amor, mas não nos sensibilizamos com o sofrimento de outros animais, estamos sendo injustos. Não somos mais caçadores-coletores e temos à nossa disposição uma ampla variedade de fontes de proteína que nos garantem uma alimentação balanceada. Portanto, pelo menos no que diz respeito à maior parte da população urbana do mundo, a carne e outras formas de proteína animal podem ser consideradas um luxo já que é possível prescindir de seu consumo. O tratamento diferente que damos a cães e porcos, por exemplo, fere o princípio ético da igualdade, entendida como igual consideração de interesses. Ser passível de sofrimento é a característica que diferencia os seres que têm interesses - os quais deveríamos considerar -, dos que não os têm. Enfim, a condição de "senciente" é suficiente para que um ser vivo seja considerado dentro da esfera da igual consideração de interesses.

Para finalizar, gostaria de citar uma passagem famosa de Peter Singer:

"Ao refletirmos sobre a ética do uso de carne animal para a alimentação humana nas sociedades industrializadas, estamos examinando uma situação na qual um interesse humano relativamente menor deve ser confrontado com as vidas e o bem-estar dos animais envolvidos. O arrazoado contra o uso de animais para a nossa alimentação fica mais contundente nos casos em que os animais são submetidos a vidas miseráveis para que sua carne se torne acessível aos seres humanos ao mais baixo custo possível. As formas modernas de criação intensiva aplicam a ciência e a tecnologia de acordo com o ponto de vista segundo o qual os animais são objetos a serem usados por nós. Para que a carne chegue às mesas das pessoas a um preço acessível, a nossa sociedade tolera métodos de produção de carne que confinam animais sensíveis em condições impróprias e espaços exíguos durante toda a duração de suas vidas. Os animais são tratados como máquinas que transformam forragem em carne, e toda inovação que resulte numa maior taxa de conversão será muito provavelmente adotada. Como afirmou uma autoridade no assunto, á crueldade só é admitida quando cessam os lucros. Para evitar o especismo, devemos por um fim a essas práticas" (Singer, 1998, p.73; grifos meus)".


Paula Brügger: Bióloga, Especialista em Hidroecologia, Mestre em Educação e Doutora em Ciências Sociais, Professora do Deptº de Ecologia e Zoologia da UFSC, Coordena o projeto de educação ambiental "Amigo Animal". É ativa na defesa dos animais como voluntária da ONG "Sociedade Animal". Foi, durante quatro anos membro do "Comissão de Ética no Uso de Animais" - (CEUA).